Entorse Lateral de Tornozelo

PROFº YURI RAFAEL DOS SANTOS FRANCO|04 de Outubro de 2021

INTRODUÇÃO

As entorses de tornozelo são uma das lesões mais comum que acometem os membros inferiores. Sim, cerca de 85% de todas as lesões que envolvem o pé e tornozelo são as entorses de tornozelo. A lesão mais comum é o estresse das estruturas laterais do tornozelo que tem sua anatomia já propícia para esse tipo de lesão.

Um dado que chama muita a atenção nos estudos é que a entorse de tornozelo tem uma busca aos serviços especializados para o tratamento agudo em apenas 50% dos casos e que desses casos tratados no nível de emergência, apenas 10% são encaminhados para o serviço de reabilitação especializado.

Se pudéssemos personificar a entorse lateral de tornozelo ela seria feita por uma mulher jovem e que o mecanismo de lesão aconteceu em um terreno mais rígido. Em termos de população geral, podemos observar que a faixa etária de adultos jovens que compreende as idades 18 a 35 anos é a mais acometida com cerca de 40% dos casos agudos de entorse de tornozelo.

RELEVÂNCIA ANATÔMICA E MECANISMO DE LESÃO

Como dito anteriormente, as entorses de tornozelo acometem na maioria dos casos o compartimento medial do complexo do tornozelo isso se dá em decorrência das congruências articulares desse complexo.

Muito se pensa que as entorses estão ligadas apenas a articulação talocrural (Tálus e Tíbia distal). Porém, o mecanismo vai muito além de um movimento exagerado de flexão plantar (único movimento realizado pela articular talocrural) acontecendo a supinação e a inversão, ambas acontecendo, principalmente, na região do retropé na articular subtalar (Tálus + Calcâneo).

Dessa forma, temos que averiguar que esses movimentos “secundários” têm sua anatomia totalmente desfavorável a estabilidade, pois a porção lateral do pé e tornozelo não possui um reforço de estruturas ósseas tão evidente quanto a porção medial, sendo a estabilidade feita apenas pelos ligamentos (talofibular anterior, talofibular posterior e calcaneofibular) e pelos tendões dos fibulares.

FATORES DE RISCO

Lesões Prévias

No último guideline de 2021, traz esse fator como controverso devido a uma revisão sistemática que não mostra esses achados, porém os valores expostos por ela falam que pessoas que tiveram dentro de 12 meses alguma entorse lateral de tornozelo tinha entre 1,44 e 2,21 mais chance de ter uma nova entorse em comparação a pessoas que nunca tinham tido episódio de entorse lateral ou que tinha passado por algum episódio em mais de 12 meses.

Sexo

Nesse contexto o sexo feminino mostrou um maior risco cerca de 2,24 mais vezes em comparação aos homens. Um outro dado mostra que mulheres tem maior taxa de lesão com 13,6 lesões em 1000 horas de exposição e os homens mostram uma taxa de lesão de 6,94 lesões em 1000 horas de exposição, mostrando um valor quase que o dobro para as taxas de lesões entre os sexos.

Índice de Massa Corpórea (IMC)

Para esse fator de risco algo que chama a atenção é que IMC baixo se mostrou com maior risco em comparação a pessoas normais e até mesmo com IMC mais elevado.

Idade

Em estudos feito com atletas mostram que o aumento da idade é um fator de risco para as entorses laterais de tornozelo. Os valores apresentados são de que a cada cinco anos o risco de lesão aumenta em 1,51 mais chance de uma entorse.

Amplitude de movimento

Esse é um dos fatores consideráveis modificáveis. Porém, o que se sabe é que diferença a partir de 2,5 cm no teste de amplitude para dorsiflexão em cadeia cinética fechada traz um risco aumentado.

Força

Ainda nos fatores modificáveis esse tem relação com a força mais distante do foco que seria o tornozelo. Deve ser levado em consideração a força dos abdores do quadril, que mostra que quem tem descréscimo de força no lado acometido pela entorse tem 1,10 mais chance de desenvolver a entorse lateral de tornozelo. Outro valor que pode ser levado em consideração é a relação com o peso corporal e força de abdutores do quadril, que mostra um maior risco em pessoas que tem uma diferença de força nos abdutores do quadril maior que 33% em relação ao peso corporal, aumentando a chance de entorse de tornozelo de 11 a 27%.

Habilidade Funcional

Dentro dos fatores de risco modificáveis, podemos levar em consideração os achados nos testes funcionais específicos para o tornozelo. Os testes mais comentados na literatura são o Y-Balance Test e o Star Excursion Balance Test. A interpretação para os fatores de risco é que quanto menor for o desempenho nesses testes maiores os riscos de entorses laterais do tornozelo.

Atividades Físicas

Esse fator de risco mostra que existe maior risco em praticantes de atividades em terrenos mais rígidos, devido a complacência ser menor e com isso menor poder de acomodação do tornozelo gerando maior risco. Outro fator que está atrelado a atividade é o tempo de exposição, pois o risco aumento com o passar do tempo de jogo, sendo a segunda metade da partida a com maior risco da entorse lateral do tornozelo.

AVALIAÇÃO DO PACIENTE

O paciente que sofreu uma entorse lateral de tornozelo é um paciente que se apresenta ao terapeuta com algumas características muito comuns, sendo elas um edema na região do complexo do tornozelo, principalmente na região lateral. Além disso, esse paciente se apresenta com algumas limitações referente a amplitude de movimento no pé e tornozelo, podendo apresentar associado alguns hematomas que levantam a bandeira de algum sangramento local, levantando algumas bandeiras de preocupação.

Nesse ponto, vale a ressalva que nós como fisioterapeutas temos a condição de profissionais de primeiro contato, ou seja, o paciente pode nos procurar sem qualquer encaminhamento médico. Isso nos dá uma autonomia gigante, porém com ela precisamos estar preparados para esse momento da avaliação inicial.

Lembrem, antes de qualquer abordagem terapêutica exclua qualquer possibilidade de bandeira vermelha. Para as entorses de tornozelo temos as regras de Ottawa para tornozelo e pé. Essas regras nada mais são do que pontos que devemos palpar e condições clínicas de que devemos perceber em nossos pacientes antes de fazer qualquer procedimento fisioterápico, pois caso nosso paciente tenha algum desses sinais ele deve ser encaminhado diretamente para o pronto-socorro para melhor investigação, pois ele pode estar com alguma fratura nas regiões do tornozelo ou pé.

As regras de Ottawa para o tornozelo são:

  • Palpação dolorosa 6 cm acima e posterior ao maléolo lateral
  • Palpação dolorosa ao redor do maléolo medial
  • Incapacidade de suportar o peso por até 4 passos

As regras de Ottawa para o pé são:

  • Sensibilidade aumenta na base do V metatarso
  • Dor no navicular
  • Incapacidade de suportar o peso por até 4 passos

Passado por essa triagem, o paciente que teve a entorse lateral de tornozelo está apto para seguir em sua avaliação para que possa ser tomada as principais condutas terapêuticas.

Nós, ainda estamos muito ligados a quesitos estruturais onde precisamos avaliar as estruturas para que a gente possa tomar nossas decisões, e uma das formas de avaliar isso é através de testes ortopédicos que para a entorse lateral do tornozelo temos três que são os com maiores valores de acurácia diagnóstica. São eles:

  • Gaveta Anterior
  • Gaveta Anterolateral
  • Gaveta Anterior Reversa

Porém, como falado a estrutura é importante, porém a função deve ser o principal foco em nosso processo avaliativo, tendo em vista que para a entorse de tornozelo a relação de estrutura e gravidade da lesão não deve ser considerada. Sendo assim, focar na função desse paciente deve ser algo primordial e isso pode ser feito com a aplicação de questionários específicos e os exemplos mais fortes são o LEFS e o FAAM, ambos traduzidos e adaptados para o português brasileiro com valores de referência bem pautados na literatura capaz de identificarem mudanças clinicamente significantes com alteração de pelo menos nove pontos em suas escalas. Outra forma de avaliar esse quesito de função são as escalas de auto-relato bem como a escala numérica de dor e questionários de função específica.

Além desses questionários de auto-relato podemos expor os pacientes de entorse lateral de tornozelo a testes funcionais que compreendem:

  • Lunge Test
  • Y Balance Test
  • Star Excursion Balance Test Modified

INTERVENÇÕES

Aqui nesse ponto podemos ponderar alguns assuntos que se faz importante a luz das evidências mais atuais. Talvez a primeira questão pode ser sobre a necessidade de abordagens cirúrgicas nos pacientes de entorse de tornozelo. Porém, os casos que, realmente, necessitam de cirurgia são os casos de fraturas instáveis, lesões de sindesmose ou nos casos de uma instabilidade muito evidente, sendo que essa última opção não é tomada no curto prazo. Excluindo essas condições expostas, o tratamento conservador é a escolha inicial.

Um dos principais pontos que mais chama a atenção dos pacientes que sofrem a entorse de tornozelo é o edema. Muitas vezes, tido como vilão o edema tem um papel protetor, inicialmente. A relação dele com o processo inflamatório muitas vezes é errôneo e com isso a intervenção para tratá-lo é ineficiente. Ao se falara em edema, talvez, a principal intervenção pensada é a crioterapia. Em uma revisão sistemática de 2021, feita por pesquisadores brasileiros, mostrou que a utilização do gelo tem seu papel limitado mesmo toda a cascata da plausibilidade biológica mostrando que seu efeito parece benéfico. Fica a reflexão sobre esse tema, devemos sim utilizar o gelo no aspecto de controle inflamatório e de dor, porém a tentativa de redução de edema deve ser feita com a compressão, principalmente. Valendo aqui a ressalva dos protocolos de atendimento emergencial com foco para o PEACE&LOVE.

A terapia Manual é uma terapêutica muito bem aceita para casos de tratamento inicial da entorse lateral de tornozelo. Modalidades como a drenagem linfática tem sem papel importante para o controle do edema. Manobras de mobilização articular se mostra efetiva para o controle de dor desses pacientes na fase aguda e, principalmente, para o ganho de amplitude de dorsiflexão. Aqui cabe um adendo importante para mobilização da articulação tibiofibular proximal que muitas vezes não é observada, mas que pode evoluir com dor mais tardiamente. As técnicas de massagem de tecidos moles é uma grande aliada associada as técnicas articulares para ganho de amplitude, lembrando que existe uma contribuição dos músculos para que o paciente evolua com déficit nas amplitudes do tornozelo, especialmente a dorsiflexão.

Pensando no foco funcional, os exercícios devem ter papel de protagonistas dentro do processo de reabilitação. O foco em trabalhos de força deve ser empregado, inicialmente. Estruturas como os músculos fibulares devem ser focados no processo de reabilitação pois, a depender da gravidade da lesão que acometeram os ligamentos serão eles que começaram a trabalhar como restritores desse movimento de inversão. Com isso, o foco na força e nos exercícios sensório-motor devem estar empregados no contexto clínico do início ao final do tratamento. Porém, estruturas como tibial posterior, tibial anterior, panturrilha (Gastrocnêmios e Sóleo) e intrínsecos dos pés precisam ser trabalhados no processo de reabilitação.

A exposição para esses exercícios de força e sensório-motor precisam de uma evolução gradual e progressiva, com o intuito de finalizar o processo de reabilitação com exposição similar ao que se empregava anteriormente a entorse acontecer, seja ela no contexto do esporte ou do cotidiano laboral dos nossos pacientes.

EVOLUÇÃO DO QUADRO CLÍNICO

O paciente que passou pela entorse lateral de tornozelo na maioria dos casos tem apresentação clínicas dolorosas muito comum. Esses sintomas clínicos podem se apresentar por algumas teorias mecânicas e achados em exames de imagens. O que se tem na literatura é que além das lesões ligamentares clássicas que acometem esses pacientes, algumas outras lesões associadas podem surgir como o edema ósseo do Tálus o que leva a dor durante a descarga de peso em movimentos com maior energia como saltos e acelerações e desacelerações.

Um outro achado que muitas vezes é relacionado de maneira errada com a gravidade da lesão é o edema residual. Muito se pensa que quanto maior o edema, maior é severidade ou número de estruturas lesionadas.

Talvez, o principal déficit encontrado após uma entorse aguda de tornozelo é a limitação da dorsiflexão, que muitas vezes é correlacionada com aspectos de movimento alterado do tálus em relação a Tíbia, porém teorias biomecânicas, atualmente, precisam ser revistas, pois sabe-se que a contratura de estruturas moles em torno do complexo do tornozelo pode ser um dos fatores que limitam essa amplitude, bem como situações de aparecimento de osteófitos pós-traumática e aumento exagerado dos tecidos cicatriciais dos ligamentos envolvidos. E essas condições podem ser fatores que podem evoluir para um mal alinhamento e com isso aparecimento de sobrecarga em estruturas articulares predispondo a possíveis lesões condrais.

Nesses casos devemos lembrar sempre que inferir causalidade é algo muito difícil, ainda mais em situações em que não existe um controle prévio, ou seja, causa e consequência é algo que devemos ter um certo cuidado ao falar sobre.

CRITÉRIOS DE ALTA

Um ponto que é muito discutido nos últimos anos, não somente para paciente que tiveram a experiência com a entorse de tornozelo. Se sabe que critérios baseados somente em tempo é totalmente falho, precisamos de marcos muito bem definidos para que se consiga evoluir para a alta desses pacientes. Para entorse lateral do tornozelo o guideline nos traz que os testes funcionais equiparados entre os membros, questionários funcionais que nos mostrem valores de normalidade e força entre os membros equiparadas, principalmente em pacientes que tiverem muito tempo de imobilização devido a gravidade ou até mesmo devido a cirurgia.

Porém, no início vimos que os atletas eles são muito acometidos por esse tipo de condição, porém pessoas mais velhas ou até mesmo sedentários também sofrem com a entorse lateral do tornozelo. E para essa população, testes de saltos ou funcionais de maior complexidade fica inviável. Com isso, não teria como ter critérios de alta precisos para esses pacientes? A resposta é não, podemos pensar em questões de auto-relato, como dor e instabilidade e até mesmo questões voltadas a confiança para o retorno as atividades habituais. Dessa forma conseguimos traçar uma melhora forma de dar alta para esse tipo de paciente.

REFERÊNCIAS

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PROFº YURI RAFAEL DOS SANTOS FRANCO

Fisioterapeuta, especialista em Fisioterapia Musculoesquelética pela Santa Casa de São Paulo, mestre e doutor em Fisioterapia pela Universidade Cidade de São Paulo.