PROFº YURI RAFAEL DOS SANTOS FRANCO|01 de Março de 2022
Que o ligamento cruzado anterior é um dos principais estabilizadores do joelho isso todos nós já sabemos e que tratar pacientes que tiveram algum problema nessa estrutura é um dos grandes desafios dos fisioterapeutas que atuam na área da musculoesquelética, também não é nenhuma novidade. Pensando nisso, que nesse segundo texto sobre o tema aqui no blog do fisio em ortopedia vamos abordar pontos relacionados aos principais mecanismos de lesão e a fase de reconstrução nos casos que necessitam dessa intervenção.
Sendo assim, alguns dados que são importantes para que a gente entenda o real motivo para entendermos cada vez mais sobre as intervenções relacionadas a lesão do ligamento cruzado anterior. Nos Estados Unidos, anualmente, acontecem cerca de 250.000 novas lesões de LCA e dessa cerca de 100.000 evoluem para cirurgia, tornando essa intervenção a sexta mais feita pelos americanos.
Mecanismos de Lesão
Um dos principais pontos que devemos pensar sobre essa questão está, primeiramente, entender que esse tipo de lesão acontece mais em atletas jovens que tem em seu gestual movimento de aceleração, salto e/ou mudança de direção e que em 70% dessas lesões são por não-contato, ou seja, o paciente se machuca sozinho praticando sua atividade esportiva. O gestual de aterrisagem do salto, aceleração brusca e pivô são os principais mecanismo de lesão que podem gerar a ruptura do ligamento cruzado anterior do joelho. Além disso, movimentos de hiperextensão em cadeia aberta e movimentos de hiperflexão com descarga de peso podem ser mecanismos comuns para lesão do LCA.
As demais lesões, 30% restantes, são de origem traumática, onde acontece o contato com outros atletas ou algum aparato. Os traumas que tenham sua força direcionada de lateral para medial na região do joelho são os mais clássicos favorecendo ao valgo exagerado na articulação.
Um outro dado importante para esse contexto é que as mulheres elas são as mais acometidas por essa condição. Essa questão pode ser devida a alguns fatores anatômicos como uma área de inserção proximal menor do que em homens, tornando esse ligamento um pouco mais delgado. Além disso, um fator biomecânico referente a uma pelve mais larga pode ser um dos motivos de interferência para que mulheres sofram mais esse tipo de lesão. Fatores hormonais podem estar ligados a esse tipo de informação, pois, frouxidão ligamentar e fatores neuromusculares podem ser uma das justificativas para esse dado.
Fatores de Risco
Esse tópico vem ganhando bastante destaque nos últimos tempos, pois cada vez mais, se gasta dinheiro com intervenção para tratar doenças que podiam ser prevenidas. No contexto da fisioterapia musculoesquelético isso vem ganhando mais destaque, pois os protocolos de prevenção baseado em intervenções individualizadas com foco nos fatores de risco é cada vez mais evidenciado.
Esses fatores muitas vezes são considerados como extrínseco, que são aqueles que tem relação mais com o meio que o paciente está inserido. Um deles é momento em que acontece as lesões e isso pensamos em treino ou partida. E o achado é que as lesões de LCA tem maior risco de acontecerem durante uma partida, levantando a hipótese que quanto maior o nível de competição maior o risco de lesão. Outro fator externo está ligado na relação do calçado e tipo de terreno, pois quanto maior for o coeficiente de atrito, ou seja, quando menos escorregadio maiores são os riscos. Além disso, fatore como equipamentos de proteção e condições meteorológicas são colocadas como sendo fatores de risco.
E os fatores intrínsecos estão muito voltados a questões anatômicas e biomecânicas. Vale a ressalva que cada esporte ou atividade tem seus fatores de risco específicos e o que vamos trazer aqui são mais generalizados e comum a uma população geral.
O valgo dinâmico e a lesão do LCA
O pessoal que vem na linha de tratamento biomecânico nos últimos tempos não deixava nem terminar a pergunta de qual é o mecanismo que lesiona o LCA? Pois a resposta seria direta e reta... o VALGO DINÂMICO do joelho.
Essa relação direta de um fator apenas como sendo a única coisa capaz de gerar todo esse estresse na articulação do joelho é muito minimalista e, atualmente, errada. Alguns estudos em meados de 2020 e 2021 mostraram que essa relação direta entre valgo dinâmico e lesão de LCA não tão direta assim. Com isso, não estamos dizendo para que a gente abandone o valgo dinâmico, mas sim que ele é um dos fatores que devem ser investigados e não somente o único.
O colapso valgo do joelho é muitas vezes tido como grande vilão de todos os problemas do joelho, porém concorda que essa visão de um único fator não é tão mais aceita nos modelos de doença que são estudados atualmente. Sim, os fatores rotacionais eles são, de fato, estressantes para o ligamento, mas isso estamos visualizando somente uma estrutura e um mecanismo sozinho e esquecemos que ali em volta existem outras diversas estruturas que absorvem e distribuem essas cargas de maneira a deixar o estresse mecânico mais brando e mais aceitável pelas estruturas que estão recebendo essa demanda.
Avaliação
Talvez um dos grandes obstáculos para os fisioterapeutas seja essa etapa, que deve ser a mais importante. Para o LCA isso não é diferente. Ao sabermos que somos profissionais de primeiro contato, devemos ter em mente que alguns pacientes vão nos procurar primeiro. E a anamnese se torna algo importante, pois o quebra-cabeça começa a ser montado quando o paciente começa a contar a história do que fez ele lhe procurar.
Então, relato de entorse durante alguma prática de atividade física ou em condições do cotidiano já nos liga um alerta. Associado a isso, podemos ouvir relatos de estalidos durante a entorse, mais um ponto para que a gente fique atento. Outro relato que pode vir muito forte nesse paciente é sensação de instabilidade para fazer suas atividades rotineiras, principalmente durante movimentos rotacionais.
Durante a inspeção outros fatores devem ser levados em consideração, um deles é o edema no joelho, que pode estar ligado a ruptura da artéria geniculada média, responsável pela nutrição do LCA que quando é rompido rompe essa estrutura e dá a característica da hemoartrose. E por fim, um outro ponto de extrema importância para ser visto na inspeção é hipotrofia na coxa relacionada ao joelho lesionado, devido ao mecanismo de inibição artrogênica.
E dentro dos testes especiais o cluster para lesão do ligamento cruzado anterior é composto por três testes específicos, o gaveta anterior, Lachmann e pivot shift. Esses são os testes que aumentam ainda mais a acurácia diagnóstica para essa condição, ainda mais quando os três testam positivos, trazendo uma especificidade de quase 100.
Além disso, o uso de exames de imagens é de extrema importância para o fechamento do diagnóstico. Possibilidades como radiografias, ultrassom e ressonância nuclear magnética. Essa última, talvez, a que mais deem importância por trazer maiores detalhes das partes ósseas e do próprio ligamento que está sendo testado.
Tratamentos
Quando falamos de lesão do ligamento cruzado anterior, talvez uma das primeiras questões é: vai operar quando? Mas talvez, podemos começar a mudar esse questionamento e fazer: Precisa operar? Foi essa e outras perguntas comuns no meio clínico que um grupo de pesquisadores de Pittsburgh respondeu em seu consenso, e eles chegaram na resposta que cabe os dois tipos de intervenção a conservadora e a cirúrgica.
Outra questão que está cada vez mais em voga é da prática baseada em valores e nesse contexto cabe a pergunta, o que será mais custo-efetivo, operar ou tratamento conservador? E a resposta é, a cirurgia é mais custo-efetiva do que o tratamento conservador. Com essa resposta, podemos colocar em check alguns pontos que muito se é discutido, um deles que é a nomenclatura de cooper e no-cooper e os adapters. Realmente, existem pessoas que terão seus LCA rompidos e continuaram com suas atividades, como se nada tivesse acontecido e elas são minorias, maior parte evolui para a cirurgia. Pensando, agora, como dirigente de um grande clube esportivo, se eu tenho um jogador importante para mim, será que vale o risco de arriscar um tratamento conservador, pensando que ele pode evoluir para uma cirurgia ou seria melhor operar logo ele? Em outro ponto, tem os adapters, que é o que acontece muitas vezes com pessoas que não são atletas profissionais, preferem por mudar ou diminuir seu nível de competição para não precisar do tratamento cirúrgico.
PROFº YURI RAFAEL DOS SANTOS FRANCO
Fisioterapeuta, especialista em Fisioterapia Musculoesquelética pela Santa Casa de São Paulo, mestre e doutor em Fisioterapia pela Universidade Cidade de São Paulo.