TENDINOPATIAS

PROFº YURI RAFAEL DOS SANTOS FRANCO|22 de Outubro de 2021

O TENDÃO

Para começar o tema, nada mais justo do que entender o que é a estrutura principal a ser estudada, o Tendão. Por muito tempo se pensou que o tendão representava, apenas, um simples meio de ligação entre osso e músculo, com força somente para suportar as demandas do cotidiano. Antigamente, o tendão era considerado uma estrutura inerte, porém, tem sido observado que o tendão tem atividades biológicas que influenciam diretamente em sua manutenção. Essas atividades vão desde sua possibilidade de remodelação, que nada mais é do que quando exposto a cargas, responder de maneira a se reestruturar para que possa receber mais demanda; ou se essa carga for excessiva, o tendão pode passar pelo processo de lesão e assim prejudicar seu funcionamento, porém, se a carga for ideal pode haver potencial de remodelação e gerar maior concentração de colágeno e deixar esse tecido mais forte.

O tendão apresenta características metabólicas diferenciadas dos demais tecidos do aparelho musculoesquelético, por ser um tecido anaeróbico, com um nível metabólico 7,5 vezes menor que os demais tecidos do sistema musculoesquelético. Essa característica o torna capaz de suportar uma demanda de tensão por muito mais tempo, servindo assim como um protetor para os músculos a ele ligados e ao mesmo tempo gera um fator problemático que é a capacidade de regeneração mais lenta.

AS TENDINOPATIAS

A repetição de movimentos, sobrecarga de estímulos e/ou desuso, quando realizadas de forma excessiva ou inadequada, geram desordem no tendão causando as lesões, como as rupturas tendíneas e/ou as tendinopatias. A tendinopatia é uma condição que causa dor e diminuição do desempenho na realização das atividades do cotidiano laboral ou esportivas, desconforto à palpação e edema. O aspecto diferenciado do tendão, anteriormente explicado, faz com que as alterações provocadas pelas tendinopatias possam ter diversas etiologias, que variam desde perturbações metabólicas até desordens biomecânicas.

O tendão lesionado apresenta diminuição do número de fibrilas de colágeno e substituição do seu volume por líquido, aumento da vascularização e inervação local. Acredita-se que seja por conta dessas substituições que a dor e a limitação funcional são geradas, já que a presença aumentada de células inflamatórias no foco da lesão não é relevante. O que se sabe atualmente é que a bainha que recobre o tendão, denominada paratendão, apresenta células inflamatórias e que o tendão por si só passa por um processo de degeneração caracterizado pela falha do processo de cicatrização, e que essas condições podem vir associadas ou não. Quando ocorre a lesão do tendão, um processo de reparação é iniciado, porém essa etapa é prejudicada devido a sua capacidade metabólica ser mais lenta.

As tendinopatias são condições prevalentes na população que pratica atividade física de forma amadora ou profissional, bem como em postos de trabalho em que os colaboradores executam movimentações repetitivas. Em atletas profissionais, a prevalência das tendinopatias é de até 45% das lesões informadas, o que leva a uma diminuição do desempenho podendo até chegar a casos extremos de aposentadoria precoce devido ao tempo de presença dos sintomas e a dificuldade de resolução do quadro. Atualmente, ainda não é possível estabelecer corretamente a etiologia das tendinopatias, porém sabe-se que a fragilidade da estrutura do tendão como um todo, ou apenas de uma parte dele, favorece a resposta exagerada dos fibroblastos.

Porém, existem fatores que favorecem o aparecimento das tendinopatias, sendo eles de origem do próprio organismo (intrínsecos) ou advindos de condições do meio (extrínsecos). Dentre os fatores intrínsecos podemos destacar condições clínicas crônicas (como diabetes e obesidade), e biomecânicas (como a limitação das amplitudes articulares); já os fatores extrínsecos são representados pelas exposições ao agente agressor, como a sobrecarga no treinamento, tempo de treino, terreno de treinamento, entre outros.

A cronificação da tendinopatia está ligada diretamente ao tempo de exposição ao agente agressor, sendo os casos agudos relacionados a fatores extrínsecos e os casos crônicos a fatores intrínsecos, na maior parte dos casos. Dessa forma, a associação de condições intrínsecas e extrínsecas pode agravar o quadro clínico do paciente com tendinopatia, porém o tempo de exposição ao estímulo associado à grande demanda de cargas parece ser a principal combinação para o aparecimento das tendinopatias.

Vale ressaltar que os pacientes diabéticos e os pacientes obesos formam um grupo especial de pacientes em que os fatores intrínsecos contribuem grandemente para o desenvolvimento das tendinopatias. Os diabéticos apresentam características que influenciam diretamente na degradação do tecido do tendão, como a diminuição da espessura e do volume do tendão e o aumento da rigidez tecidual. Também são encontradas alterações nas fibras de colágeno que podem levar a calcificação do tendão e alterar a mecânica do segmento afetado, podendo aumentar as comorbidades advindas da doença.

Além dessas mudanças estruturais, as alterações metabólicas, como o aumento do processo inflamatório sistêmico e complicações vasculares sistêmicas, levam a um maior risco do surgimento das tendinopatias em diabéticos. Os obesos também são acometidos por condições de degeneração no tendão, tendo como principal fator a presença de inflamação sistêmica com agravante da sobrecarga do próprio peso corporal. Porém, essa afirmação é estabelecida a partir de pouca evidência de qualidade e há a falta de estudos mais abrangentes sobre a correlação entre a obesidade e a tendinopatia.

MODALIDADES DE TRATAMENTO

O tratamento das tendinopatias engloba intervenções cirúrgicas e conservadoras. A cirurgia, atualmente, é adotada como última escolha, apenas depois da falha do tratamento conservador após um período de 12 meses. Na cirurgia é realizado um desbridamento do tendão afetado ou o reparo unindo os cotos, caso tenha ocorrido ruptura do tendão. Porém, o tratamento conservador é a primeira escolha para resolução do quadro, com intervenções que passam por injeções de corticosteroides, recursos eletrofísicos (como exemplo, a terapia por ondas de choque) e fisioterapia, com maior enfoque nos exercícios terapêuticos.

As injeções locais de corticosteroides têm apresentado resultado benéfico para dor e função a curto prazo. Porém a médio e a longo prazo, esse resultado não é mantido e existe a possibilidade de piora dos desfechos clínicos, podendo ocorrer enfraquecimento das estruturas do tendão e até uma possível ruptura. A terapia por ondas de choque aparece em destaque na literatura atual, porém os resultados de sua aplicação de forma isolada ou associada com exercícios excêntricos não apresentam diferença quando comparados com placebo. Além disso, os resultados de uma revisão sistemática recente mostraram que a qualidade metodológica empregada nos estudos sobre o assunto é baixa, colocando em suspeita a sua eficácia no tratamento das tendinopatias.

Outra terapia conservadora bem aceita é a realização da terapia por exercícios. Essa terapia foca no fortalecimento das estruturas musculares adjacentes ao tendão, através das diversas modalidades de contração muscular (excêntrica, isométrica e isotônica). Os exercícios atualmente vêm sendo considerados um dos tratamentos mais eficientes para o manejo do quadro clínico dos pacientes com tendinopatias, com resultados mais eficazes do que terapias passivas como repouso, eletroterapia e injeções de corticosteroides.

Dentre as diversas modalidades de contração muscular presentes nos exercícios terapêuticos, o exercício excêntrico tem sido o mais estudado para o tratamento das tendinopatias. A aplicação do exercício excêntrico se embasa no aumento da demanda sobre o tendão que modula os tenócitos e que, por consequência, aumenta a concentração de colágeno tipo I na área lesionada do tendão. Uma das teorias propostas para a ação da contração excêntrica é a diminuição da quantidade de neovasos e de terminações nervosas livres no local da lesão, o que favorece a diminuição da dor, pois especula-se que essas duas estruturas são algumas das responsáveis pela condição dolorosa. Em contrapartida, o tratamento por exercícios excêntricos tem como ponto negativo a dor durante a sua execução, que pode perdurar por pelo menos 24 horas após sua realização, fato que muitas vezes gera menor aderência ao tratamento pelos pacientes.

Recentemente, o exercício isométrico vem sendo estudado e a sua aplicação tem mostrado bons resultados na diminuição da dor imediatamente após a sua realização. O exercício isométrico atua a nível central modulando o sistema inibitório de dor e gerando uma maior hipoalgesia local associada a um aumento da ativação das fibras musculares.

Atualmente, os exercícios isotônicos com incremento gradual de cargas (heavy slow resistance training) também têm ganhado espaço como uma das modalidades de exercícios que compõem o tratamento de pacientes com tendinopatias. A literatura atual demonstra, por meio de estudos laboratoriais, o aumento do número das fibrilas de colágeno no interior do tendão e o aumento da densidade do tendão, com hipótese de maior área de absorção de cargas após a realização desses exercícios. Estudos clínicos têm mostrado efeitos benéficos ao se aplicar os exercícios isotônicos em pacientes com tendinopatia, sendo a maior concentração de estudos na tendinopatia calcânea e patelar.

Fiquem ligados que teremos continuação dessa temática nas próximas semanas. Vamos começar a discutir alguns tipos de tendinopatias e como podemos modular os sintomas de maneira a facilitar o cotidiano clínico do fisioterapeuta.

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PROFº YURI RAFAEL DOS SANTOS FRANCO

Fisioterapeuta, especialista em Fisioterapia Musculoesquelética pela Santa Casa de São Paulo, mestre e doutor em Fisioterapia pela Universidade Cidade de São Paulo.